Uma das perguntas essenciais para começarmos a discutir o papel da mulher na literatura nacional e internacional é: Quantos livros escritos por mulheres você leu recentemente? E de autoras brasileiras?
Quando pensamos em quantas mulheres já lemos nos tempos recentes, nem sempre é fácil citar mais que uma ou duas autoras. Isso por que um dos tristes fatos é que as mulheres têm mais dificuldade em serem publicadas.
Segundo o VIDA Count – Women In Literary Arts, uma pesquisa que quantifica a porcentagem de mulheres com resumos publicados nos jornais em circulação dos EUA, apenas dois deles ( o Granta e o Poetry ) tiveram 50% ou mais obras de mulheres divulgadas. E esse descaso com grandes autoras não se restringe ao países estrangeiros.
Escritoras de renome como Clarice Lispector, Cora Coralina, Carolina de Jesus e tantas outras grandes mulheres da literatura nacional têm mais reconhecimento lá fora do que aqui no Brasil.
E para alterarmos o cenário atual, precisamos entender melhor a história por trás da pouca representatividade das mulheres na literatura. Venha conhecer um pouco da trajetória e das grandes contribuições das mulheres na literatura mundial?
Pseudônimos, antigos companheiros…
É muito difícil saber por onde começar quando se trata das mulheres na literatura, mas que tal falarmos um pouco sobre os pseudônimos? Eles, que vêm acompanhando a trajetória de muitas grandes autoras. Você sabia que algumas delas ainda evitam usar seus nomes completos e reais por acharem que os seus livros serão menos vendidos?
O uso de pseudônimos por autoras é ainda muito comum, mas tudo começou quando publicações escritas por mulheres eram vistas como forma de transgressão. O papel da mulher antigamente era restrito ao lar. Qualquer coisa que saísse do mundo doméstico era malvista por toda a sociedade. Algo bem diferente do que vemos hoje em dia.
Ou seja, uma mulher que publicasse seu livro expondo sua identidade feminina, arriscava-se a ser criticada não só pela sociedade, mas também por familiares, amigos e todo o seu círculo social.
Muitas delas recorriam ao uso de pseudônimos para que pudessem ser publicadas sem ter que lidar com um convívio social turbulento. E, claro, para evitar que houvesse qualquer tipo de preconceito com o seu livro, já que até hoje existem preconceitos com livros escritos por autoras.
Além disso, era raro que algum editor resolvesse publicar um livro escrito por uma mulher. A ideia era vista como extremamente transgressora e os livros costumavam vender muito mal, já que o público leitor não acreditava no poder intelectual feminino.
A questão do anonimato
“Mas por que não publicar em anonimato?”
Isso era até possível no século 18, quando a noção de autoria de um livro não era tão importante.
Um exemplo do uso do anonimato na época é autora Jane Austen, que publicou todas as suas obras sem revelar a sua identidade. A autora de romances famosos como Orgulho e Preconceito, Emma e Persuasão, utiliza da ironia em todas as suas obras, o que tornou seus romances populares até os dias atuais.
Mas continuando sobre a questão da autora, foi apenas depois do século 19 que as coisas mudaram.
Veja bem, antes do século 18 o autor ficava em segundo plano quando se tratava de livros. Mas a partir do 19, a escrita se tornou uma atividade renomada. Com isso, o público leitor deram mais importância aos autores, que só por terem um nome já estabelecido no mercado, vendiam muitos livros. Romances ganharam renome e não eram meramente gêneros quaisquer. Então, culturalmente ficou mais difícil para os autores publicarem anonimamente. E isso inclui as mulheres.
As irmãs Brontë, famosas autoras de O morro dos Ventos Uivantes e Jane Eyre, escondiam sua identidade feminina sob o pseudônimo Irmãos Bell. O medo de serem alvo de preconceito pela sua escrita não tão feminina assim para os padrões da época era grande. Foi isso que não permitiu que as irmãs assumissem logo de cara a autoria dos seus livros.
Livro de “mulherzinha”: existe isso?
E por falar em “jeitos de escrever femininos”, vamos continuar nossa discussão partindo do ponto de vista dos gêneros literários. Ainda hoje, há quem espalhe por aí um dos preconceitos mais antigos da história: mulheres só escrevem livros sobre amor, romances e com finais dramáticos.
Uma informação não poderia estar mais errada…
Claro que existem grandes autoras de best sellers dedicados a contar histórias de amor. A escritora Nora Roberts é uma delas. A norte americana já publicou mais de 200 obras. Muitos desses romances ficaram em primeiro na lista dos mais vendidos do New York Times… Porém, não podemos esquecer que existe uma diversidade infinita quando procuramos por temáticas e gêneros literários de obras escritas por mulheres.
Autoras renomadas de livros de ficção e mistério, inclusive, são muito comuns. Agatha Christie, por exemplo, é uma das romancistas de maior renome do século XX. E o foco dos seus livros passam bem longe de histórias de amor. Um dos grandes sucessos de Christie, Um Crime no Expresso Oriente, é um romance policial cheio de suspense e mistérios, que deixam o leitor apreensivo a cada página do livro.
Ainda falando de grandes autoras, Ursula Le Guin precisa ser citada. Suas obras são voltadas para a ficção científica e, além de escritora, a estadunidense também publicou poemas e é editora literária. Sua maior obra, A mão esquerda da escuridão, é uma ficção científica que explora não só questões políticas, mas também de gênero e sexualidade.
Além dessas duas grandes mulheres na literatura, existem muitas outras autoras de livros de ficção, terror, suspense, fantasia e outras tantas temáticas.
Só para começar, devemos citar Anne Rice e Mary Shelley, rainhas do terror e ficção científica, J.K. Rowling, autora de livros de fantasia e infanto-juvenis que ficarão pra sempre na memória mundial, Kathryn Stockett, autora de The Help, que relata a vida de empregadas domésticas negras nos Estados Unidos…. E a lista continua infinitamente.
E as brasileiras? Grandes autoras nacionais!
Você sabia que uma das primeiras publicações brasileiras feita por mulheres é do século 19? As brasileiras já estavam publicando sem usar pseudônimos antes mesmo de alcançarem o voto feminino. E, claro, não sem enfrentar dificuldades em todo o processo.
Começamos pelo fato de que a escrita só era incentivada em lares ricos, ou seja, reservada para as mulheres da alta classe brasileira. E não por que os pais das jovens gostassem da ideia de ver o nome da filha em uma publicação. Uma mulher que escreve era bem vista sim, mas apenas como um acréscimo ao currículo de etiquetas e artes. Apenas para servir de adorno.
Tendo esse cenário em mente, vem a importância da leitura de uma das primeiras escritoras negras brasileiras publicadas não só em âmbito nacional, mas que teve seu livro traduzido em mais de 14 países…
Carolina de Jesus não só fez um enorme sucesso com o seu livro Quarto de Despejo, mas também é um dos marcos na literatura feminina no nosso país. A obra descreve a vida em uma das favelas de São Paulo e todo o sofrimento atrelado a sua condição social. Foi traduzida em diversas línguas e é uma das maiores escritoras brasileiras conhecida internacionalmente. E essa é só uma das tantas outras grandes brasileiras no mundo da literatura… Rachel de Queiroz, Cora Coralina, Ana Cristina César, Clarice Lispector e tantas outras estão aí para provar o nosso talento nacional.
Mulheres na literatura atual
E para os leitores que acham que não existem grandes autoras contemporâneas, não poderiam estar mais enganados.
Apesar de todas as dificuldades de publicação, as mulheres estão cada vez mais quebrando os parâmetros das editoras. Algumas delas promovem a mudança da visão do público atual sobre as publicações femininas.
Começando pela poetisa e escritora Rupi Kaur, que teve seu livro de poesias entre os mais vendidos da Amazon, tanto na categoria de poesia quanto na de literatura canadense. Além de tudo isso, a autora esteve na lista de best sellers do New York Times. Rupi começou a publicar seus textos na internet e, com isso, ganhou muitos leitores antes mesmo antes de publicar seu livro sob o nome de uma editora.
O evento da internet e da democratização dos livros através dos ebooks torna a batalha mais simples para as mulheres escritoras. O livro pode ser publicado antes mesmo que uma editora o aceite. Fora a facilidade de lançamento, se o livro ficar bem posicionado nas vendas, isso pode atrair a atenção de possíveis editores.
“E no âmbito nacional? Onde estão as autoras contemporâneas brasileiras?”
Uma autora que fez sucesso com suas publicações online é a alagoana Catarina Muniz, que lançou seu primeiro livro em 2012. Seus romances históricos, como A Madona e a Vênus, levam o leitor a viajar pela história da Itália através das descobertas dos personagens em suas próprias histórias.
Mas infelizmente, essas mulheres foram a exceção e não a regra. As escritoras brasileiras ainda percorrem um longo e árduo caminho até conseguirem o tão sonhado reconhecimento.
Dificuldades de publicação no Brasil
Mesmo que, segundo uma pesquisa recente do IBGE, mais de 50% do público leitor brasileiro seja feminino, as mulheres não são, nem de longe, as mais lançadas no mercado editorial brasileiro.
Os obstáculos para mulheres na área da publicação são recorrentes. E isso ocorre por que os grandes cargos que influenciam a decisão de publicação são ocupados por homens. Até mesmo os cargos de crítica literária são, na sua maioria, de homens. Por isso, a alta literatura também não costuma estar aberta ao advento das publicações de mulheres. Esse fato se reflete quando damos uma olhada na Academia Brasileira de Letras, onde dos 40 membros que ocupam uma cadeira, apenas 4 são mulheres.
Além disso, o público masculino continua bastante reservado sobre essa questão. Infelizmente, quando um homem vê que um livro foi escrito por uma mulher, costuma nem sequer ter mais vontade de levar a publicação para casa.
O coletivo Mulherio das Letras apresentou em 2017 um levantamento mostrando que nos principais veículos de resenhas literárias nacionais, os livros de autoras ocupam apenas metade do espaço que é ocupado por homens. Com apenas metade do espaço de reconhecimento, as mulheres enfrentam o mercado editorial.
Além disso, as autoras ainda enfrentam o próprio desencorajamento. Poucas são representadas nas prateleiras dos livros…O que leva a maioria a desistir da carreira de escritora. Elas acabam por achar que os próprios escritos não são dignos de publicação e é assim que perdemos futuras grandes autoras brasileiras.
Acostumadas a ouvirem que os seus livros são “para garotinhas”, ou na gíria inglesa, “chick lit”, as mulheres se calam frente aos preconceitos e escondem obras que poderiam ser o próximo best seller do ano.
Que tal ler uma mulher?
Apesar de todos esses empecilhos, de pouco em pouco, o mercado vai abrindo as portas para as escritoras. Recentemente, livros de autoras mulheres estão começando a serem amplamente divulgados… Por elas mesmas!
Em contrapartida a todo esse caos literário na vida das escritoras, surgiram iniciativas das próprias mulheres para acabar de vez com a exclusão das publicações femininas.
Uma dessas iniciativas é o #LeiaMulheres, que começou em São Paulo e decidiu que era hora das mulheres serem conhecidas. O movimento tem como proposta principal divulgar as obras de escritoras e criar um clube de leitura.
E atrelado ao machismo, sempre vem outros tipos de preconceito. Por isso, uma dessas iniciativas tem uma proposta mais específica.
O clube Lendo Mulheres Negras, criado em 2016, tem como proposta combater não só o machismo, mas também o racismo entre as publicações atuais. Além de abrir espaço para a divulgação de escritoras, o clube também dá espaço para que as mulheres negras tenham as suas publicações lidas.
Há outras tantas iniciativas por aí de mulheres inconformadas com a situação das escritoras nacionais e internacionais, mas que tal você começar a mudar esse aspecto?
Nós citamos diversas autoras ao longo do post, de vários gêneros literários diferentes. Escolha pelo menos uma e leia! Lembre-se que um dos desafios das autoras ainda é alcançar reconhecimento do público. Por isso é tão importante que os clubes de leitura de autoras existam. São eles que fazem com que mais pessoas conheçam as autoras, leiam seus livros e discutam sobre elas.
Vamos tornar nossas grandes autoras populares e reconhecidas!